PROJETOS | CARAVANA ALMANAQUE 8

por Guilherme Gonçalves

A essa altura você talvez saiba, a oficina experimental está bolando um almanaque, com exercícios de escrita, horóscopo, crônica, previsões, poemas. Almanaque vem da língua árabe, como açúcar, açafrão, azul, como a poesia. Diferente das línguas ocidentais, que são traduções, o árabe é um poema da boca de deus. Almanaque diz acampamento dos que cortam o deserto e também chão onde o camelo se ajoelha. A essa altura você sabe, o deserto cresce e todos os dias matam com nossas mãos. Discutimos com fervor desconhecido por razões mais abstratas que o pior dos poemas. Desci a cabeça na chuva e não exatamente chovia. Encontrei o joão e abracei o joão e disse que vou ok o joão disse também e disse que eu parecia perdido e perguntou onde eu ia e eu não sabia, eu não sei, disse e ele foi numa revoada de pombos. Estava a meia quadra de casa e não ia a lugar algum então não podia estar perdido, ainda que sim tenho perdido coisas, a bolsa de tabaco, celulares, peso, prazos, outra noite foi um dente que vi disparar do meu riso para o chinelo do zacca na são salvador. o zacca beijou minha cara e disse tá tranquilo, cara, de boa. Almanaque. Poema da geral. robin hood é a galera, disparou o augusto. Meter o chocolícia daquela merendeira fechada a vácuo e botar pra jogo. Explanar os macetes. Meia lua e soco é hadouken, frases num toboágua são enjambements. Uma bola branca invade a uruguai quicando alto, vou por ela, abraçoa bola sou a bola, as buzinas perguntam se estou perdido. Umas carinhas num terraço velho insistem que eu atire a bola, que é leve, dente de leite, mas ventava e não tinha jeito de cobrir o cortiço com a bola. Ficamos um tempo nisso até que um baixou as escadas e tomou a bola com as duas mãos e disse que eu devia ser forte, assim forte, e fecha o braço de criança, de pobreza, dentro da minha mão até sair um carocinho, olha o muque, pergunta sobre a tatuagem, digo uma bola azul, não é uma bola azul, o que então, é onde a gente está. Almanaque. Cortar o deserto, ocupação. Tem anos eu voltava com o zacca, imagina uma noite a dias da cruz não tem mais fim, imagina, ele respondeu, que depois tem o mar, ali nos despediríamos, eu acordaria a cidade nas pálpebras de helena, você se confunde à espuma, numa jaqueta azul, não exatamente perdido. Almanaque. Descíamos o morro da conceição depois do poema dos lixeiros no peito de um marcelo trêmulo, a gente sempre perde gui, o heyk usava aquela voz de vidro, grave como um massacre. Eu apertei o livro do heyk na tentativa de responder. Talvez. Por isso chorei quando o zoé inchou nossa casa. Almanaque. A oficina é uma cidade sem borda onde os poemas dão festas com gummy liberado e amamos com todos os músculos, finalmente banguelas, o deserto cresce, nós sabemos, mas não estamos perdid_s.

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